Segundo o governador, o estado tem um crédito de R$ 92
bilhões que zera o débito. O petista também se defendeu da polêmica do uso do
helicóptero
dívida de quase R$ 70
bilhões de Minas Gerais com a União, que na última década representou um enorme
peso para os cofres estaduais, pode deixar de existir este ano. Em entrevista
exclusiva ao Estado de Minas, na tarde desta segunda-feira, no Palácio da
Liberdade, o governador Fernando Pimentel (PT) afirmou que decisão do Supremo
Tribunal Federal (STF) de que governo federal deve ressarcir os estados as
perdas com a Lei Kandir – lei de 1996 que isentou impostos estaduais nas
exportações – deverá significar um alívio para os cofres mineiros, uma vez que
o estado passaria de devedor a credor. “Minas passou 20 anos sem cobrar ICMS.
Fizemos o cálculo de que Minas perdeu cerca de R$ 92 bilhões. Se a dívida com a
União é de cerca de R$ 65 bilhões e nosso crédito é de R$ 92 bilhões nós temos
dívida zerada com a União”, explicou Pimentel. O governador falou também sobre
a polêmica envolvendo o uso do helicóptero do estado para buscar o filho em
Escarpas do Lago, da relação com o presidente Michel Temer (PMDB) e com o
prefeito de BH, Alexandre Kalil (PHS). Fez ainda um balanço sobre a metade de
sua administração e as perspectivas para os próximos dois anos.
Em 2017 o senhor começa a segunda parte de seu governo. Qual
o balanço do que foi feito até agora?
Apesar das enormes dificuldades que enfrentamos até agora o
balanço é positivo. Nos dá direito a um otimismo moderado para os próximos dois
anos. A principal mudança que fizemos foi na forma de encarar o governo de
Minas Gerais com a ideia de ouvir para governar. Criamos os fóruns regionais em
2015, fui em todas as regiões para implantar esse mecanismo de consulta
popular. Isso está funcionando. Conseguimos mobilizar as lideranças de cada
região para que sejam levantadas as demandas e elas cheguem ao governo. Quando
se tem recursos escassos e é o nosso caso, temos de usá-los de forma eficiente.
Atendemos às demandas, mesmo que pequenas, mas muito importantes. São pequenas
quando vistas de longe, de perto são grandes. Um pequeno trecho de estrada, a
renovação de equipamento de saúde ou de segurança, a reforma de escolas, isso
tudo conta muito, principalmente no interior. É isso que vamos continuar
fazendo e, caso tenha uma recuperação e a arrecadação melhorar, poderemos ter
um resultado ainda melhor. Acho que este ano e 2018 podemos ter alguma
perspectiva, ainda que pequena, de recuperação econômica. Menos pela política
atual do governo federal e mais porque a economia brasileira é muito grande e
dinâmica. Apesar da recessão, tem uma vitalidade que vai fazê-la avançar. Temos
que apostar nisso.
O decreto de calamidade assustou bastante. A impressão é que
o estado quebrou e o caos está próximo. Qual a real situação das contas do
estado?
As vezes a oposição critica e diz que foi um instrumento que
usamos para escapar de cumprir as exigências da lei. Isso não é verdade. Se o
estado fosse uma empresa, alguém já teria pedido a falência, a recuperação
judicial. Nós terminamos 2016 com déficit real de cerca de R$ 5 bilhões. A
previsão era de um déficit de R$ 8 bilhões. Não vamos ter esse déficit porque
conseguimos algumas vitórias ao longo do ano. A negociação da dívida no
primeiro semestre, em abril conseguimos um bom acordo com o governo, nos deu um
alívio. E agora, no final do ano, em negociação com o Banco do Brasil,
renovamos o contrato da folha de pagamento por mais quatro anos. Isso nos deu
um aporte de R$ 1,4 bilhão, o que nos permitiu pagar parte do 13º no ano
passado. Se não fossem esses dois recursos, nós teríamos fechado o ano com um
déficit absurdo, ainda pior do que o previsto. Temos R$ 5 bilhões na praça de
débito do estado aberto e que temos que pagar. Nossa capacidade de
financiamento do déficit é em torno de R$ 4 bilhões e R$ 5 bilhões, no máximo,
R$ 6 bilhões. Mais do que isso o serviço público entra em colapso. É o caso do
Rio de Janeiro. Lá, os serviços estão parando de funcionar porque já passaram
do limite. Minas Gerais corre o risco de viver a mesma situação do Rio? Não.
Até hoje, não. Conseguimos evitar. Sempre com algum recurso extraordinário. No
primeiro ano, em 2015, conseguimos usar os depósitos judiciais. Graças ao apoio
da Assembleia e do Judiciário conseguimos viabilizar essa lei e usar os
depósitos. Esse montante ficava parado e só beneficiava os bancos. Nós usamos
cerca de 75% desses depósitos. Já em 2016 viemos as negociações sobre a dívida
com a União e a negociação com o Banco do Brasil.
O presidente Michel Temer e o ministro da Fazenda Henrique
Meirelles (PSD) não aceitaram retirar as contrapartidas dos estados para
suspender por três anos o pagamento das dívidas dos estados com a União. As
negociações continuam?
O projeto de lei tinha dois capítulos. O primeiro era a
renegociação que foi feita em 2016 e nos permitiu passar o ano sem pagar a
dívida. Foi aprovado e nós tivemos um prazo para pagar a dívida, com valores
progressivos. O segundo, que foi vetado, foi uma novidade voltada para os
estados em situação de calamidade: Minas, Rio e Rio Grande do Sul. O governo
previa os três anos de suspensão do pagamento da dívida, mas os estados
deveriam se comprometer em aprovar uma série de imposições sobre suas despesas.
Esse foi o ponto de discórdia. No Senado, o texto foi aprovado, mas, na Câmara,
os deputados perceberam que era algo impossível. Não dava para aprovar um édito
imperial. Seriam determinados três anos sem promoções na Polícia Militar ou
Civil, sem progressões de carreira para servidores públicos. Se fora assim,
fecha as portas do Legislativo e do Executivo estadual e entrega para o
Ministério da Fazenda. Isso não dava para aceitar. A Câmara, acertadamente,
definiu que as contrapartidas deveriam ser negociadas caso a caso. O governo
Temer achou melhor não aceitar isso. É a visão deles e hoje não temos mais esse
programa de recuperação para os estados.
Então, já que não teremos o programa, Minas terá que pagar a
dívida com a União mesmo em situação de calamidade financeira?
Em novembro, o Supremo Tribunal Federal julgou uma ação –
inicialmente do estado do Pará, mas que teve o apoio de Minas, de Goiás, do
Maranhão e outros – que diz que o governo federal está obrigado em 2017 a fazer
um ressarcimento da chamada Lei Kandir. A lei de 1996, no governo Fernando
Henrique, isentou de impostos estaduais as importações. Minas, que é grande
exportador de café e minério de ferro, passou 20 anos sem cobrar ICMS desses
produtos. Foram perdas muito grandes. Calculamos que Minas perdeu receitas
nesse período de cerca de R$ 92 bilhões. E esse cálculo é reconhecido pela
secretaria do Tesouro Nacional. O Supremo determinou um ano de prazo para que
se chegue a um acordo com os estados e seja feito esse ressarcimento. Se não
fizer, o Tribunal de Contas da União vai criar uma forma de ele mesmo de
ressarcir os estados. Isso significa que Minas não deve mais nada para a União.
Não temos mais dívida com a União. Se a dívida hoje é em torno de R$ 65 bilhões
e nosso crédito é de R$ 92 bilhões, nós temos dívida zerada com a União. O que
vamos reivindicar imediatamente é que, enquanto se faz o cálculo de quanto
temos a receber pela Lei Kandir, queremos ficar sem pagar as parcelas da
dívida. Aliás, que dívida? Se nós somos credores, como vamos pagar essas
prestações uma vez que o dinheiro terá que ser devolvido. Ainda que o
Ministério da Fazenda não aceite esse argumento, o Supremo vai aceitar. Foram
11 votos a zero. Os ministros podem determinar que Minas não deve mais.
O presidente Temer e o ministro Meirelles não podem
contestar?
Tem uma sentença do Supremo Tribunal. É questão de cumprir.
Alguns estados exportadores tem grande montante a receber, não serão todos. Nós
não estamos mais preocupados com a renegociação das dívidas, temos uma ativo
que vai nos equilibrar. O governo federal vai entender que não somos mais
devedores, mas credores.
Em período de muitos cortes e poucos investimentos, a
bancada mineira no Congresso conseguiu poucas verbas para o estado. Como
deputados e senadores mineiros podem ajudar os cofres estaduais?
A bancada federal até ajudou nesse episódio do programa de
recuperação, rejeitando as condicionantes que vieram do Senado. Não vi
distinção entre deputados de situação e oposição ao nosso governo. O Senado não
teve essa postura. Não quero julgá-los por isso. Eles ficaram contra (os
interesses de Minas). Mas não quero julgar homens públicos como os
ex-governadores Aécio Neves (PSDB) e Antonio Anastasia (PSDB), e mesmo o
senador Zezé Perrela (PTB), só por um episódio. Mesmo sendo oposição, acredito
que quando houver uma demanda real de Minas eles vão marchar junto com Minas.
Afinal de contas, estamos no mesmo barco.
Como está a relação do senhor com o presidente Michel Temer?
O governo de Minas apoia as medidas de ajuste?
Tenho uma relação pessoal muito boa com ele. Fui companheiro
dele no ministério, ele era vice e eu ministro. Fizemos muitas missões no
exterior no primeiro mandato da presidente Dilma. Conversávamos muito sobre as
relações no exterior, como o Brasil deveria se comportar. É uma pessoa afável,
um cavalheiro e me trata muito bem. O que não quer dizer que não possamos
divergir de suas posições e das medidas de seu governo. Acho que eles, Temer e
Meirelles, estão exagerando a mão no ajuste fiscal. Nunca ouvi falar de se
salvar um paciente com grave infecção retirando o antibiótico dele. É o que
estão fazendo com a economia brasileira. Se você aperta as despesas públicas,
que é o caso no Brasil, o impacto no PIB é devastador. O teto dos Gastos a
curto prazo não vai nos impactar, mas a longo prazo terá um impacto muito forte
e rudimentar. Os cortes podem acabar atingindo a qualidade dos serviços
prestados à população.
Como será a relação com o prefeito Alexandre Kalil (PHS),
que se elegeu criticando muito os políticos tanto do PSDB quanto do PT durante
as eleições?
Fui na posse dele ontem (domingo) e depois estivemos juntos
por um tempo. Tenho relação pessoal de muitos anos com ele. Quando fui
secretário da Fazenda na prefeitura ele era prestador de serviço na prefeitura.
A Erkal tinha um contrato na área de limpeza urbana. Depois ele saiu do
contrato. Mas convivemos durante um bom tempo. Tenho boa relação com ele, apesar
da divergência de times, já que ele é atleticano e eu cruzeirense. Tenho a
expectativa que vamos ter um bom gestão. Marcio Lacerda foi um prefeito
correto. Saímos da gestão no segundo mandato, mas acho que ele foi um prefeito
correto. O Kalil tem outro estilo, mais impulsivo. Tem uma percepção muito
aguda e teve uma sensibilidade política muito refinada ao perceber o que as
pessoas querem. Por isso foi eleito da forma como foi. Ele está muito
bem-intencionado e montou uma equipe muito competente. Acho que será um bom
prefeito, temos que ajudá-lo.
Mas durante a campanha Kalil afirmou que não faria alianças
e fez um discurso de negação da política…
Temos que fazer uma distinção entre a eleição e a
administração. A eleição às vezes leva as pessoas a exagerar um pouco na
retórica. Daí vem a administração e é possível se fazer a política, o que não
tem mal nenhum. O regime que escolhemos, a democracia, que considero um avanço
apesar de alguns pensarem o contrário e desejarem a volta da monarquia, envolve
a atividade política permanente. A política é indispensável.
O prefeito Kalil tem defendido a Ocupação Isidoro. Ele
afirmou durante a campanha que não vai jogar 5 mil famílias na rua. Já as
sentenças de remoções obrigam o poder público a retirar as famílias. Como o sr.
vai trabalhar com ele na questão das ocupações em BH?
O prefeito tem um pensamento parecido com o nosso. Buscar
uma solução negociada. A sentença judicial pressupõe a retirada das famílias,
mas seguindo um protocolo internacional. Se retira desde que se tenha um outro
lugar para levar essas famílias. O empresário que tem interesse lá também está
na mesma linha. Uma parte das famílias vai ser removida, aí tem que pagar
bolsa-moradia. Foi o que fizemos no Vila Viva, em que se paga o aluguel para as
famílias até que se construa prédios novos. Outra parte vai ser por meio da
urbanização já que tem construções de alvenaria e não faz sentido removê-las. E
ainda vai sobrar terreno para a construção do empreendimento.
Foi divulgado pelo deputado Sargento Rodrigues um vídeo em
que o senhor usa o helicóptero do estado para buscar seu filho em Escarpas do
Lago. Como o senhor avalia o episódio?
Estamos vivendo um momento difícil da vida nacional. Esse
episódio não tem nada de irregular, de ilegal. Tem um decreto do então
governador Aécio Neves que regulamenta o uso de aeronaves. O decreto é claro: a
aeronave deve ser usada para qualquer deslocamento do governador. E não é só
questão de segurança, mas também uma questão de economia. O que aconteceu foi
um deslocamento meu. Eu iria passar o dia em Escarpas com meu filho, que tinha
ficado lá na noite do réveillon. No trajeto, ele me ligou e disse que não
estava passando bem e me perguntou se eu não me incomodava em voltar para Belo
Horizonte. Voltei. Era para ter passado o dia lá e não passei, perdi um dia na
beira do lago, mas também não poderia ficar muito tempo porque tinha a posse do
prefeito Kalil. Não tem nada de irregular.
Mas em momento de crise financeira, não causa um grande
desgaste que um governador use esse recurso…
Todos os governadores têm esse recurso. Se eu recusasse o
helicóptero para viagens não oficiais os custos seriam maior. Equipe de
segurança, gastos com hotel. Os ex-governadores também tem uma equipe à
disposição. Anastasia e Aécio. Está na lei. Se fosse de carro, iriam duas
equipes de segurança comigo, portanto duas viaturas descaracterizadas antes,
para verificar as condições de segurança, e ainda dormir no local. Imagina o
custo que isso tem. Para evitar esse custo decidi que vou de helicóptero. Ah,
mas e o ajudante de ordens? Ele está comigo o tempo todo. Isso é lei. Está na
lei que criou a Polícia Militar. Às vezes quero ficar livre dela e não consigo.
Não posso recusar a equipe de segurança. O deslocamento terrestre às vezes
custa mais caro do que ir de helicóptero. É uma tentativa de fazer tempestade
em copo d’água. Esse deputado (Sargento Rodrigues, responsável pela divulgação
do vídeo) está passando dos limites. Pedi aos advogados que vejam a
possibilidade de processá-lo. Porque agiu de má-fé. Ele que foi policial sabe
do decreto. Foi uma ação política.
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